domingo, 18 de março de 2012

A PSICANÁLISE SEGUNDO D. W. WINNICOTT




Donald Woods Winnicott foi um pediatra inglês que se tornou psicanalista após cumprir uma formação na Sociedade Britânica de Psicanálise, especializando-se no atendimento de crianças e adolescentes. Assim, a origem da sua orientação teórico-clínica, que influenciou muito a técnica psicanalítica desde então, sobretudo a chamada escola das relações objetais, tem alguns marcos importantes: a sua experiência como pediatra, que possibilitou uma compreensão muito acurada do processo de constituição da subjetividade através da observação de crianças e de bebês com ou sem distúrbios psíquicos; sua leitura da obra de Freud e de Melanie Klein, pioneira no atendimento psicanalítico de crianças e teórica muito influente; o acesso indireto e muitas vezes inexplicável às idéias de Sándor Ferenczi – talvez através de Melanie Klein e Michael Balint, também húngaros –, o primeiro psicanalista a privilegiar o papel do ambiente na constituição da subjetividade e a destacar as figuras do trauma, da regressão à dependência e do jogo no manejo clínico; o fato de ele tratar, em meados do século, pacientes cuja configuração subjetiva se afastava das neuroses clássicas; por último mas não menos importante, o impacto incomensurável da sua experiência de análise pessoal.
Os princípios de qualquer tratamento psicanalítico, desde Freud, são o manejo da transferência, modus operandi da psicanálise, o respeito pela resistência – positivada – do paciente e o emprego da interpretação do recalcado como instrumento para a elaboração dos conflitos afetivos. A diferença impressa por Winnicott no campo psicanalítico foi o entendimento de que o método clássico era adequado às configurações neuróticas, mas não para os pacientes mais regredidos que se aventurava a atender. Assim, a partir dessa experiência, Winnicott percebeu que a situação clínica se configurava como uma situação altamente especializada do plano de cuidados, onde o manejo do setting e a oferta de suporte (holding) para as experiências arcaicas de contato com alteridade por parte do analisando pudessem acontecer satisfatoriamente. Com isso, pôde se desenvolver um estilo clínico no qual o psicanalista se disponibiliza para ser “usado” pelo analisando, não no sentido de um feixe de projeções de fantasmas pré-existentes a serem interpretados, mas no sentido de poder ser reconhecido como uma substância diferente-de-si. Nesse estilo clínico, o espaço terapêutico pode ser definido como uma área de experimentação nomeada de brincar compartilhado e o psicanalista não pretende se destacar das possibilidades criativas inauguradas pela constituição de tal espaço.
Na psicanálise, o diagnóstico se impõe apenas na medida de uma hipótese de trabalho. Um diagnóstico consistente só se poderia realizar ao fim do tratamento, como dizia Freud, quando o sofrimento do paciente adquire um sentido singular. E aí, já não tem mais muita serventia. Portanto, acompanhando Freud, na concepção winnicottiana a primeira e principal função do diagnóstico é avaliar se o tratamento deve ser iniciado, ou se é melhor deixar as coisas como estão (ele sabia bem o quanto uma psicanálise mal conduzida pode ser iatrogênica). Além disso, impõe-se também a questão acerca da disponibilidade do analista em tratar aquela pessoa. Finalmente, como a leitura diagnóstica não é baseada na concepção de estruturas clínicas, muitas vezes é preciso conhecer o grau de regressão do paciente para avaliar, segundo a forma pela qual a transferência se manifesta, a aplicabilidade da técnica psicanalítica clássica ou a necessidade de um manejo diferenciado.
O que se espera do tratamento é que o analisando possa, gradualmente, se despojar das posições reativas rumo ao gesto espontâneo e ao viver criativo. Em última instância, que o paciente que não sabe brincar possa aprender a brincar com o psicanalista (este, claro, deve saber brincar, o que muitos preferem esquecer).
 Na psicanálise com orientação winnicottiana o psicanalista se direciona pelo que podemos chamar de uma ética do cuidado. Seu compromisso maior é com a pessoa que padece, e da qual se dispõe a tratar, buscando transformar o sofrimento restritivo e facilitar a emergência de processos criativos. Nesse sentido, se afasta tanto dos métodos mais diretivos que estabelecem uma finalidade a priori a ser atingida, quanto das orientações psicanalíticas que, em nome da superação de uma suposta “covardia moral”, apostam em uma técnica excessivamente distanciada buscando, assim, promover a responsabilização do analisando pelos seus atos. Desse modo a clínica assume, de forma plena, os dois sentidos que se pode encontrar na sua origem etimológica: klinikos, o debruçar-se sobre o leito do paciente, acolhendo a sua dor, e o clinamen, o desvio transformador e criativo.
A possibilidade de resgate do que Winnicott chamou, na sua precisa simplicidade, de viver criativo. Para Winnicott, são três os objetivos do tratamento psicanalítico: conservar vivo, bem e desperto, seja o analisando, seja o analista, bem como todos aqueles que entram em contato com a psicanálise. A grande contribuição de Winnicott para o campo psicanalítico foi lembrar que o viver é mais importante que a própria psicanálise, mais belo e mais trágico que as teorias supostamente bem acabadas e suas verdades inquestionáveis.



Com base na entrevista de Daniel Kupermann concedida ao jornal do CRP-RJ em dezembro de 2006.

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