Donald
Woods Winnicott foi um pediatra inglês que se tornou psicanalista após cumprir
uma formação na Sociedade Britânica de Psicanálise, especializando-se no
atendimento de crianças e adolescentes. Assim, a origem da sua orientação
teórico-clínica, que influenciou muito a técnica psicanalítica desde então,
sobretudo a chamada escola das relações objetais, tem alguns marcos importantes:
a sua experiência como pediatra, que possibilitou uma compreensão muito acurada
do processo de constituição da subjetividade através da observação de crianças
e de bebês com ou sem distúrbios psíquicos; sua leitura da obra de Freud e de
Melanie Klein, pioneira no atendimento psicanalítico de crianças e teórica
muito influente; o acesso indireto e muitas vezes inexplicável às idéias de
Sándor Ferenczi – talvez através de Melanie Klein e Michael Balint, também
húngaros –, o primeiro psicanalista a privilegiar o papel do ambiente na
constituição da subjetividade e a destacar as figuras do trauma, da regressão à
dependência e do jogo no manejo clínico; o fato de ele tratar, em meados do
século, pacientes cuja configuração subjetiva se afastava das neuroses
clássicas; por último mas não menos importante, o impacto incomensurável da sua
experiência de análise pessoal.
Os
princípios de qualquer tratamento psicanalítico, desde Freud, são o manejo da
transferência, modus operandi da
psicanálise, o respeito pela resistência – positivada – do paciente e o emprego
da interpretação do recalcado como instrumento para a elaboração dos conflitos
afetivos. A diferença impressa por Winnicott no campo psicanalítico foi o
entendimento de que o método clássico era adequado às configurações neuróticas,
mas não para os pacientes mais regredidos que se aventurava a atender. Assim, a
partir dessa experiência, Winnicott percebeu que a situação clínica se
configurava como uma situação altamente especializada do plano de cuidados,
onde o manejo do setting e a oferta
de suporte (holding) para as
experiências arcaicas de contato com alteridade por parte do analisando
pudessem acontecer satisfatoriamente. Com isso, pôde se desenvolver um estilo
clínico no qual o psicanalista se disponibiliza para ser “usado” pelo
analisando, não no sentido de um feixe de projeções de fantasmas pré-existentes
a serem interpretados, mas no sentido de poder ser reconhecido como uma
substância diferente-de-si. Nesse estilo clínico, o espaço terapêutico pode ser
definido como uma área de experimentação nomeada de brincar compartilhado e o
psicanalista não pretende se destacar das possibilidades criativas inauguradas
pela constituição de tal espaço.
Na
psicanálise, o diagnóstico se impõe apenas na medida de uma hipótese de trabalho.
Um diagnóstico consistente só se poderia realizar ao fim do tratamento, como
dizia Freud, quando o sofrimento do paciente adquire um sentido singular. E aí,
já não tem mais muita serventia. Portanto, acompanhando Freud, na concepção
winnicottiana a primeira e principal função do diagnóstico é avaliar se o
tratamento deve ser iniciado, ou se é melhor deixar as coisas como estão (ele
sabia bem o quanto uma psicanálise mal conduzida pode ser iatrogênica). Além
disso, impõe-se também a questão acerca da disponibilidade do analista em
tratar aquela pessoa. Finalmente, como a leitura diagnóstica não é baseada na
concepção de estruturas clínicas, muitas vezes é preciso conhecer o grau de
regressão do paciente para avaliar, segundo a forma pela qual a transferência
se manifesta, a aplicabilidade da técnica psicanalítica clássica ou a
necessidade de um manejo diferenciado.
O que
se espera do tratamento é que o analisando possa, gradualmente, se despojar das
posições reativas rumo ao gesto espontâneo e ao viver criativo. Em última
instância, que o paciente que não sabe brincar possa aprender a brincar com o
psicanalista (este, claro, deve saber brincar, o que muitos preferem esquecer).
Na psicanálise com orientação winnicottiana o
psicanalista se direciona pelo que podemos chamar de uma ética do cuidado. Seu
compromisso maior é com a pessoa que padece, e da qual se dispõe a tratar,
buscando transformar o sofrimento restritivo e facilitar a emergência de
processos criativos. Nesse sentido, se afasta tanto dos métodos mais diretivos
que estabelecem uma finalidade a priori
a ser atingida, quanto das orientações psicanalíticas que, em nome da superação
de uma suposta “covardia moral”, apostam em uma técnica excessivamente
distanciada buscando, assim, promover a responsabilização do analisando pelos
seus atos. Desse modo a clínica assume, de forma plena, os dois sentidos que se
pode encontrar na sua origem etimológica: klinikos,
o debruçar-se sobre o leito do paciente, acolhendo a sua dor, e o clinamen, o desvio transformador e
criativo.
A
possibilidade de resgate do que Winnicott chamou, na sua precisa simplicidade,
de viver criativo. Para Winnicott, são três os objetivos do tratamento
psicanalítico: conservar vivo, bem e desperto, seja o analisando, seja o
analista, bem como todos aqueles que entram em contato com a psicanálise. A
grande contribuição de Winnicott para o campo psicanalítico foi lembrar que o
viver é mais importante que a própria psicanálise, mais belo e mais trágico que
as teorias supostamente bem acabadas e suas verdades inquestionáveis.
Com base na entrevista de Daniel Kupermann concedida
ao jornal do CRP-RJ em dezembro de 2006.