quinta-feira, 31 de março de 2011

Ciúme, fobia e pânico em análise

Encontro sobre psicanálise mostra que o ciúme inconsciente – um sentimento ignorado pela psicologia – pode levar o casal a brigas e desavenças sem saber o motivo


          Ciúme, fobia e pânico, perversão, sonhos e ética profissional foram alguns dos temas abordados durante o encontro Expansões em Psicoterapia Psicanalítica, ocorrido no dia 23 de outubro no anfiteatro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU).
     
           O evento compõe o 14º Encontro do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica do Instituto de Psicologia e teve como objetivo discutir desenvolvimentos e expansões no campo da psicoterapia psicanalítica. O evento também contou com o lançamento do livro Psicoterapia Psicanalítica – Concepção Original, de Ryad Simon.O coordenador do evento, professor Ryad Simon, falou no encontro sobre o chamado ciúme inconsciente. Para ele, o ciúme consciente é mais controlável e perceptível, enquanto o ciúme inconsciente é imperceptível e as pessoas, por isso, têm muitas desavenças, hostilidade e brigam sem saber o porquê. Ele explicou que o ciúme inconsciente, na psicoterapia psicanalítica, sempre foi colocado em segundo plano e que é preciso analisar um caso também a partir desse sentimento.
            Sabe-se que o ciúme é um sentimento desconfortável que surge ao ser repartido com um terceiro (ou mais) o amor da pessoa amada. O impulso imediato do indivíduo ciumento é a eliminação do rival, não necessariamente com morte, mas também com agressões e indiferença, por exemplo, independente de ser pai, mãe, irmão, irmã, marido, filhos ou amigos. “A defesa mais comum é a repressão, que torna o ciúme parcial ou totalmente inconsciente. Quando o sentimento de ciúme é consciente, seus efeitos conseguem ser mais controlados e ajustados à situação objetiva. No entanto, quando o ciúme é inconsciente, os sentimentos de amor e ódio ficam distanciados, facilitando a emergência de atos hostis não reconhecidos pelo sujeito ciumento”, ressalta Simon.
           O coordenador mostrou que o profissional, ao encontrar uma situação difícil de resolver com seu paciente – que Simon denomina de labiríntica –, deve pensar na hipótese do ciúme inconsciente para analisar o fato e tornar sua abordagem menos confusa, porque normalmente o ciúme inconsciente é desdenhado e escorregadio, e acaba escapando da percepção consciente. “Quanto mais inteligente o sujeito, melhor consegue seu inconsciente despistar o ciúme atrás de uma série de aparentes ações inocentes, criando uma rede de fatos superficialmente não relacionados, desorientando o observador que, se tenta entender algo, depara-se com um intrincado labirinto.”

Personalidade fóbica – A fobia e o pânico foram outros temas abordados no evento. Walter Trinca, professor do Instituto de Psicologia, fez um alerta para as razões da dor, que são infinitas. No entanto a personalidade fóbica, geralmente, deseja um tratamento todo especial diante da dor. “No sujeito fóbico prevalece a visão monocular de esmagamento e aniquilamento, na qual ele conclui pela impossibilidade de lidar com os acontecimentos do processo de viver. Sucumbe, e ao optar precocemente por sucumbir distancia-se da síntese interna que faz suportar a dor e dominar a destrutividade. Torna-se vulnerável a inimigos externos e internos. É uma fortaleza batida.”

Segundo Trinca, a personalidade fóbica tem dificuldades de assumir sozinha a responsabilidade por sua vida. Inconscientemente, quer se subtrair à necessidade de construir e consolidar sua própria individualidade. “O fóbico vive uma luta incessante por retomar o contato com suas partes consideradas vitais e que, no entanto, se perderam. Vive a angústia da existência de verdadeiros buracos internos, buscando continuamente tapar.”


Nessa personalidade, o outro exerce a função capital de funcionar por ela, substituindo-a em tudo quanto nela for esvaziado e empobrecido. Estará sempre disposto a encontrar pessoas que lhe sirvam nas necessidades elementares de segurança física e emocional, entregando-se incondicionalmente a elas.


Trinca analisou a fobia e o pânico a partir de uma pesquisa clínica realizada com mulheres do Instituto de Psicologia da USP. O que distingue psicanaliticamente as pacientes fóbicas são características de personalidade que o pesquisador denomina “personalidade fóbica”. “Sempre há nesta, em algum nível, distanciamento de contato com as bases da existência própria. O que se verifica são enfraquecimentos, desenfoques ou rupturas com o ser profundo da pessoa. A personalidade fóbica acaba sendo o que ela é, por estar afetado o substrato psíquico essencial, que é a identidade da pessoa. A angústia de dissipação do self está no centro da perturbação”, afirma.


Vale ressaltar que as características da personalidade fóbica não são exclusivas. O que distingue uma personalidade fóbica de uma não fóbica? Para Walter Trinca, é a angústia de dissipação do self. “Angústia básica de inexistência, desintegração e morte. É terror em face da ameaça onipresente da morte, todavia de uma morte iminente que corresponde a rupturas com o ser e com a vida, os quais passariam ao vácuo da inexistência. O seu ser encontra-se num buraco negro, num vácuo.”

Psicanálise comparada

O encontro Expansões em Psicoterapia Psicanalítica contou com o lançamento do livro Psicoterapia Psicanalítica – Concepção Original, do professor Ryad Simon. A obra procura orientar a melhor escolha da abordagem psicoterápica no início do processo, partindo dos resultados apresentados pela pesquisa empírica realizada no Instituto de Psicologia da USP, que compara dois tipos de atendimento psicoterápico, o método psicanalítico clássico (quatro sessões semanais, uso do divã, interpretações centradas na transferência) e sua evolução para a prática psicanalítica da atualidade – ampliação do alcance para pacientes menos favorecidos menor frequência de sessões semanais (duas sessões). A obra também reúne 14 textos apresentados em simpósios transformados em artigos. “A pesquisa compara qualitativamente que pacientes atendidos com duas sessões semanais de psicoterapia psicanalítica melhoravam ainda mais que os atendidos uma vez, ou seja, eles evoluíam mais de um quadro diagnóstico para outro. Com isso também comprovo que a psicoterapia psicanalítica funciona.”

Por IZABEL LEÃO - Jornal da USP
Ano XXVI nº 906
São Paulo, de 25 a 31 de outubro de 2010

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