terça-feira, 25 de outubro de 2011

É PRECISO UM POUCO DE TRISTEZA

– Rubem Alves


TRISTEZA É PARTE DA VIDA. ELA É A REAÇÃO NATURAL DA ALMA DIANTE DA PERDA DE ALGO QUE SE AMA. A PERDA DA BELEZA EFÊMERA DAS CORES QUE VÃO MERGULHANDO NO TRISTE CREPÚSCULO




Você, que diz que, se pudesse, trocaria seu nome por melancolia, você me pergunta sobre as razões da tristeza. Me pergunta mais: sobre as razões pelas quais há pessoas que se emocionam com coisas pequenas – as outras nem ligam e até riem da sua sensibilidade, o que lhe dá uma tristeza ainda maior, a tristeza da solidão.

Olhe, há tristezas de dois tipos. Primeiro, são as tristezas diurnas, quando o mundo está iluminado pelo sol. Tristezas para as quais há razões. Fico triste porque o meu cãozinho morreu, porque meu filho está doente, porque crianças esfarrapadas e magras me pedem uma moedinha no semáforo, porque o amor se desfez. Para essas tristezas há razões. Quem não sente essas tristezas está doente e precisaria de terapia para aprender a ficar triste. O mundo está luminoso e claro – mas há algo, uma perda, que faz tudo ficar triste.

Segundo, são as tristezas de crepúsculo. O crepúsculo é triste, naturalmente. Não, não há perda nenhuma. Tudo está certo. Não há razões para ficar triste. A despeito disso, no crepúsculo a gente fica. Talvez porque o crepúsculo seja uma metáfora do que é a vida: a beleza efêmera das cores que vão mergulhando no escuro da noite.

A alma é um cenário. Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca, inundada de alegria. Por vezes, ela é como um pôr de sol, triste e nostálgico. A vida é assim. Mas, se é manhã brilhante o tempo todo, alguma coisa está errada. Tristeza é preciso. A tristeza torna as pessoas mais ternas. Se é crepúsculo o tempo todo, alguma coisa não está bem. Alegria é preciso. Alegria é a chama que dá vontade de viver.

Eu acho que essa tristeza crepuscular é mais que uma perturbação psicológica. Acho que ela tem a ver com a sensibilidade perante a dimensão trágica da vida. A vida é trágica porque tudo o que a gente ama vai mergulhando no rio do tempo.
“Tudo flui, nada permanece.”  A vida é feita de perdas. Fiquei comovido, dias atrás, vendo fotos dos meus filhos quando eles eram meninos. Aquele tempo passou. Aquela alegria mergulhou no rio do tempo. Não volta mais. Há, assim, um trágico que não está ligado a eventos trágicos. Está ligado à realidade da própria vida. Tudo o que amamos, tudo que é belo, passa.

Mas é precisamente desse sentimento que surge uma coisa maravilhosa, motivo de riqueza espiritual: a arte. Os artistas são feiticeiros que tentam paralisar o crepúsculo. Eternizar o efêmero. Todas as vezes que ouço aquela música ou leio aquele poema, o passado ressuscita. A beleza da arte nasce da tristeza. Se não houvesse tristeza, não haveria arte. Diz o Jobim: “Assim como o poeta só é grande se sofrer...” Certo. Sem tristeza não haveria Cecília, Adélia, Pessoa, Chico, Beethoven, Chopin. A obra de arte ou é para exprimir ou para curar o sofrimento.

Mas há limite. É preciso que a tristeza seja temperada com alegria. Tristeza, só, é muito perigoso. As pessoas começam a desejar morrer. Essa é a razão por que os deprimidos querem dormir o tempo todo. O dormir é uma morte reversível.

Quando a gente está com dor de cabeça, toma aspirina sem vergonha alguma. Quando a gente está com dor de alma, tristeza, algum remédio é preciso – para não querer morrer, para voltar a ter alegria.

Uma ajuda para a tristeza é conversar. Para isso é preciso ter alguém que escute, que entenda a tristeza. Muitas pessoas procuram terapia para isso: não porque sejam doentes mentais, mas porque precisam compartilhar sua tristeza com alguém que conheça a luz crepuscular.


Fonte: Revista Psique Ciência & Vida - Ano VI, nº 70
Imagens: GOOGLE



sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Da neurose de ontem ao narcisismo de hoje


A terapia pela palavra está em pleno desenvolvimento no Brasil, na avaliação de Plinio Luiz Kouznetz Montagna, diretor-presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Nesta entrevista, ele diz que o maior desafio da psicanálise, hoje, são as fobias, a síndrome do pânico e outros "transtornos narcísicos"

Psicanalista Plinio Montagna na sede da Sociedade Brasileira de Psicanálise em São Paulo



Neste mês de reflexão --já que a entidade celebra 60 anos de filiação à IPA (International Psychoanalytical Association)--, o psicanalista diz que esse campo está em plena fase de desenvolvimento. Ele conta como um método demorado, profundo e caro sobrevive neste mundo imediatista, em que remédios se colocam como alternativa à conversa terapêutica. 

Folha - Como o senhor define a psicanálise hoje?
Plinio Luiz Kouznetz Montagna - Ela atua em vertentes interligadas: é tratamento clínico; método de pesquisa sobre o ser humano e teoria do funcionamento da mente que permite generalizações. Ocorre que pensar a clínica permite pensar a cultura e essa conexão com artes e filosofia se mantém. É um campo de saber em desenvolvimento, não está fechada, progride com fluxos e refluxos. Na IPA convivem 12 mil psicanalistas do mundo, de tendências diferentes.

E muitas divergências, não?
Quando Freud era vivo, era ele quem dizia: isto é e isto não é psicanálise. Depois que morreu, ficou mais difícil. Enquanto os grandes mestres do século 20 (Winnicott, Klein, Lacan) estavam vivos, as pessoas seguiam uma linha. Hoje, a tendência é depurar as contribuições de cada autor e articular uma conversa entre eles. Não para integrar, pois as diferenças existem mesmo. Na década de 1980, tantas correntes nos fizeram questionar o que há de comum na psicanálise. Concordamos sobre três pontos: nosso objeto é o inconsciente; a importância da transferência e da contratransferência e a noção de que o passado deve ficar no passado.

Como isso se traduz no consultório?
O que diferencia a psicanálise de outras psicoterapias é o jogo transferencial. Para produzir uma mudança, o que adianta é fazer o problema emergir aqui e agora, na relação com o analista, de modo que seja possível trabalhar com ele. O analista é como uma tela em que o paciente projeta imagens. O complicador é que o analista não é uma tela em branco. Levamos em conta a contratransferência, a relação do profissional com seu paciente: inclui as dificuldades dele, pontos cegos que o impedem de escutar. O trabalho não se restringe a ouvir o relato, o analista escuta inconsciente.

O método nasceu como uma cura pela fala. Essa conversa pode ficar muito racional?
A racionalização não é análise e sim a tentativa de evitá-la. Essa defesa pode surgir tanto do paciente quanto do analista, porque o contato emocional gera turbulência. As resistências fazem parte, porém, o cerne da psicanálise é o encontro, e ele só ocorre quando se vai além das defesas. Por isso temos de saber manejá-las.

E quanto ao passado? Muita gente acha que psicanálise é ficar falando de traumas da infância.
Psicanálise não é "falar sobre". A transferência é uma espécie de atualização do passado com o objetivo de permitir que o presente se instale. A análise permite que o passado fique no passado e a pessoa viva no presente. Essa é a libertação.

Aqui no Brasil, a psicanálise avança ou recua?
Nos anos 50 e 60 houve implantação e expansão, depois teve um momento em que as terapias corporais e o psicodrama estavam em destaque. Por um período, os analistas se recolheram nos consultórios. A clínica continua sendo fundamental, mas hoje vivemos um florescimento para além dela, um momento de grande inserção social. Na Sociedade, há grupos ocupados com atendimento à comunidade, psicanalistas que dão suporte a uma ONG que trabalha com meninos de rua, sem falar na atuação em hospitais. Os analistas também atuam cada vez mais no setor jurídico, trabalhando como mediadores e peritos em questões de família, divórcio, guarda de filhos. E podem contribuir muito graças à visão global que têm de situações complexas como interdição, brigas, drogadição, violência doméstica etc.

Como a técnica responde às patologias contemporâneas?
Esse é o grande desafio atual: lidar com fobias, pânico, transtorno bipolar, borderline, os chamados estados narcísicos. Todas essas patologias têm em comum o fato de serem estruturas arcaicas [criadas no início da vida, antes da linguagem e do amadurecimento da psique], ou seja: se instalam antes do mecanismo de repressão. Na neurose, a repressão já está instalada, existem os conflitos psíquicos e, nessa etapa, é possível simbolizar o sofrimento. No caso do pânico, por exemplo, não existe nem esse conflito. Imagine o medo tentando entrar na mente. Sem a parede da censura para barrá-lo, ele a invade. E, como na estrutura arcaica não há possibilidade de simbolização, o que costuma ocorrer são dores e outras manifestações corporais. Os psicanalistas hoje se debruçam sobre esses fenômenos. A Sociedade tem equipes de estudos de fibromialgia, dores crônicas, psicossomática. Há membros da Sociedade pesquisando conexões entre dor física e psíquica.

O senhor é psicanalista e psiquiatra, e há um embate entre essas áreas. O que acha da oferta de remédios que prometem alívio rápido?
O avanço da psicofarmacologia permitiu medicações mais eficientes e com menos efeitos colaterais. Por outro lado, é avassaladora a quantidade de dinheiro investido na indústria de remédios, não só no desenvolvimento científico, e sim na propaganda. A promessa de “felicidade química” surgiu na década de 80, com o Prozac. Foi questão de tempo para todos descobrirem que não existe pílula de felicidade. Aliás, a psicanálise também não traz felicidade. Nem promete. A psiquiatria clássica perdeu o contato com o ser humano, tenta encaixá-lo numa lista de sintomas pré-estabelecidos. O resultado é que muitos psiquiatras diagnosticam a tristeza como depressão. Isso é um desvio, não é o caso de se medicalizar tudo.

É possível medir os resultados de uma análise?
A psicanálise promove transformações significativas. Existe um grupo em Boston que está pesquisando mudanças psíquicas. Esse grupo estudou pessoas que consideravam que suas análises tinham sido bem-sucedidas. Elas destacaram a vivência de uma comunicação profunda com seus analistas e "insights" que alteraram a percepção de si e das situações. Comparo os "insights" da análise ao sistema olfativo: sentir um aroma novo não significa só adicioná-lo ao repertório conhecido, e sim alterar o circuito de tal modo que, a partir daí, o próximo odor será recebido de forma diferente, porque toda a estrutura do arquivo foi modificada.

Por que a profissão não é reconhecida pelo Ministério da Educação?
Na década de 50, foi oferecido à SBPSP a possibilidade de se oficializar a profissão e a formação, mas esse caminho não foi adotado. Na minha opinião, por um erro de cálculo, mas nem todos concordam comigo. Muitos acham que não é o Estado que tem que reconhecer nossa profissão, e sim as próprias instituições psicanalíticas.


Fonte: A FOLHA – Setembro / 2011

Colaboração de Déborah de Paula Souza para A FOLHA
Déborah de Paula Souza é jornalista com formação em psicanálise


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

ENQUETE: para que serve a psicanálise?



Investigar, tratar e diminuir as dores são as razões de ser desse método.

Veja as definições dos profissionais ouvidos pela reportagem.


"Serve para diminuir ao mínimo possível o sofrimento neurótico e o sofrimento banal, ou seja, reduzi-los ao que é totalmente inevitável; serve para tentar reorientar ou desorientar a vida da gente -- desorientar é uma maneira de orientar! Enfim, serve para tornar a experiência cotidiana muito mais interessante. Pensando bem, quase tudo se inclui nessas três coisas"
Contardo Calligaris
Psicanalista e colunista da Folha



"A psicanálise é um método de investigação do modo de funcionar da mente que, bem-sucedido, tem como consequências um desenvolvimento maior da personalidade e proporcionar condições de bem-estar mental. Para que serve? Eu poderia perguntar: para que serve existir? A utilidade da psicanálise compartilha com o sentido de nossa própria existência"
Luiz Tenório Oliveira Lima
Psicanalista e professor



"Tratar das dores da alma. E é um processo tão longo para diluir a dor quanto foi para implantá-la. A substância com a qual a psicanálise lida não obedece às leis da mecânica. Não tratamos de matéria, não tratamos de concretudes: são dores da alma, substâncias de outra categoria"
Anna Veronica Mautner
Psicanalista e colunista da Folha



"Serve para possibilitar que a pessoa suporte viver a pós-modernidade. Saímos de uma sociedade que estabelecia claramente os certos e os errados. O homem atual se apavora frente a essa liberdade e se esconde atrás das fórmulas prontas de viver. Nesse contexto, a psicanálise vai na contracorrente da ideologia de que tudo tem remédio, dos livros de autoajuda e das neorreligiões. Ela transforma a angústia paralisante do homem frente à liberdade responsável das opções em uma ação criativa"
Jorge Forbes
Psicanalista e psiquiatra



"O objetivo da psicanálise é libertar o paciente de seus sintomas e de seus problemas. Acima de tudo, é um método curativo, além de ajudar a transformar o paciente em alguém mais adaptado à sua realidade e aumentar a sua inteligência emocional"
Juan-David Nasio
Psicanalista, diretor dos Seminários Psicanalíticos de Paris 



Fonte: Folha de São Paulo - Setembro 2011